Você realmente sabe o que é ciência?
- Ricardo Lobo

- 17 de ago. de 2021
- 5 min de leitura
O pensamento científico se originou na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C., mas nunca esteve tão em voga como nos últimos tempos. Da noite para o dia, pessoas que jamais tiveram interesse no assunto, pessoas que nunca buscaram qualquer tipo de conhecimento de forma mais aprofundada, tornaram-se 'especialistas', propagando aos quatro ventos, principalmente nas redes sociais e em grupos de Whatsapp, suas ideias e convicções por conta de as mesmas possuírem "embasamento científico".
Defendem, ou criticam, com unhas e dentes, protocolos de saúde, medicamentos, vacinas, cuidados sanitários, tudo em nome da ciência. Mas a pergunta que fica é: será que você realmente sabe o que é ciência? Seria capaz de explicar isso de uma forma detalhada e minuciosa para alguém?
Aqui, que fique claro, meu objetivo não é o de falar o que tem ou não validade científica, entrando em algum tipo de discussão ideológica e/ou política, mas sim responder, de uma forma bastante simplificada e direta, a pergunta acima, e, principalmente, mostrar o quanto e o como esse enredo todo afeta e se relaciona diretamente com o nosso comportamento cotidiano e com as nossas relações humanas e sociais.
Primeiro, conforme já defendiam diversos filósofos, como Platão, Sócrates, Parmênides, Heráclito, Pitágoras, Anaximandro, entre tantos outros, assim como atestam diversos pesquisadores modernos e contemporâneos, o cientista não comprova resultados, mas sim os constrói.
Na prática, o cientista observa a realidade, destaca algum tipo de fenômeno observado nesta realidade, cria uma série de hipóteses, e as testa em um grupo de pessoas para comprovar a sua teoria. Existe, portanto, uma inferência pessoal sobre o objeto de pesquisa. É claro (o óbvio precisa ser dito) que as proposições podem ser válidas e estarem corretas, que as interpretações possam ser úteis e fazer sentido, mas é apenas, na maior parte dos casos, um dos caminhos. Nenhum estudo científico pode ser propagado de forma absoluta e universal, pois, talvez, outro cientista chegue ao mesmo resultado por um caminho diferente, partindo de suas ideias pessoais originais.
Basta você pensar em tudo isso, de uma forma ainda mais simples, lembrando da sua própria vida. Quando você tem algum tipo de enfermidade, desconforto, e resolve buscar um médico, ele examina e apresenta um caminho para que você resolva aquele problema, correto? Mas suponha que você não tenha gostado muito do atendimento, talvez não tenha ficado confiante, tenha achado o médico antipático ou arrogante, e resolva, por conta disso, procurar uma segunda opinião. Pode acontecer do segundo médico estar igualmente interessado em solucionar o seu problema, mas apresentar um caminho totalmente diferente. E, talvez, se ainda assim, você decidir ouvir uma terceira opinião, é provável que fique mentalmente confuso(a), pois agora, para o mesmo problema, você tem os caminhos A, B, e C, todos validados cientificamente.
Não é assim que funciona? Eu mesmo já passei por inúmeras situações dessa forma, de ficar confuso no fim das contas. Conheço pessoas, inclusive, que pulam de médico em médico até ouvirem a resposta que esperam e querem ouvir. Nenhum profissional da saúde trabalha em desalinho com a ciência. A ciência é plural, não singular.
Portanto, o que precisa ficar bastante claro, é que qualquer universalização nesse sentido não passa de uma falta de conhecimento acerca do assunto, uma ingenuidade, ou, no pior dos casos, má fé. Não se pode falar em verdade absoluta, mas sim relativa. Isso não significa que um lado esteja certo e outro esteja errado, mas sim, que ambos possam estar certos, de formas diferentes.
É claro que aqui busquei, de um modo geral, simplificar a explicação, poderíamos dialogar por horas e mais horas conversando acerca do fazer científico. Espero que você tenha entendido o necessário para que possamos prosseguir.
Conforme falei no começo do artigo, todo esse enredo possui uma relação direta com o nosso comportamento cotidiano e com as nossas relações humanas e sociais, e agora você deve estar se perguntando "como"? Onde há essa relação e semelhança?
Bem, basicamente em nossa dificuldade de lidar com as diferenças. Cada vez mais estamos rígidos, fechados dentro de nossas próprias convicções, incapazes de dialogar com quem pensa diferente. Se isso acontece no contexto científico, onde talvez a imensa maioria nem saiba realmente o que é ciência, é claro que se repete em todas as outras relações.
Buscamos opiniões externas que reforcem a todo instante nossas crenças para, com o peito estufado, gritar ao mundo "eu estou certo", e, portanto, "você está errado". Desconsideramos quem pensa diferente. Estamos se mostrando e apresentando como uma sociedade incapaz de acolher, ouvir, e conviver em paz com as diferenças.
Casais se separando por conta de um querer mandar mais que o outro. Amizades se desfazendo por conta de um apoiar um político de esquerda e outro apoiar um político de direita. Famílias com conflitos existenciais por um acreditar que sabe mais que o outro o melhor caminho, que é o "seu caminho". E ainda, em todos os casos, buscando algum tipo de validação para suas tiranias.
Tudo, todos os exemplos, ancorados em uma inflexibilidade, que talvez seja originada na própria falta de autoconhecimento. Quando a pessoa não conhece a si mesma, não aceita suas fraquezas e vulnerabilidades, não lida bem com aquilo que é sombrio, com suas culpas, mágoas, raivas, medos e tristezas, acaba, é claro, se tornando muito rígida, consigo mesma e, principalmente, com os outros. Se torna incapaz de conviver com quem é e pensa diferente. Acredita que ela, ou quem pensa igual a ela, são os "donos da verdade e da razão", transformando quem está fora desse círculo, por consequência, errado, vilão.
Meu próprio trabalho, por sinal, é o de acolher, escutar, compreender as singularidades e as diferenças, algo que em nosso cotidiano já não acontece mais. As pessoas não se escutam mais. Escutar os outros pode transformar vidas, e é isso que tenho como missão, ajudar a transformar através da escuta.
Cada um de nós é único, individual, exclusivo. Cada um de nós é responsável pela própria vida, pelas próprias escolhas. Cada um de nós possui suas crenças, vive as suas circunstâncias. Isso tudo nos torna insubstituíveis e incomparáveis, ao mesmo tempo que faz com que tenhamos liberdade para realizar nossas escolhas.
O respeito à escolha alheia é o que nos falta. A empatia, tão falada e divulgada atualmente no mundo virtual, falta ser praticada no mundo real. Portanto, cuide, cuide de verdade, ao buscar uma validação externa para suas convicções, seja na dita "ciência" ou naquilo que você bem imaginar. Talvez, na prática, você esteja se mostrando como uma pessoa extremamente perigosa, arrogante, inflexível, intolerante, sem respeito à vontade e a opinião alheias, bem semelhante a um tirano.
É exatamente dessa forma que tudo o que estamos vivendo, os debates mais acalorados, se assemelha com aquilo que percebemos em nosso cotidiano e observamos em nossas relações.





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