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Por que reclamas, minha filha?

Falar que reclamar é algo prejudicial até a quem reclama e, no fim das contas, é um comportamento que não ajuda em absolutamente nada, talvez seja repetir o que você já escuta e lê por todos os cantos. No entanto, embora eu acabe dizendo isto, sei também, estudando a complexidade da mente humana, observando e atendendo diversas pessoas, de todos os tipos, que a frase "pare de reclamar" é um tanto quanto romântica demais. É boa para alguns livros, mas, na prática, não é bem assim!


É claro que seria melhor não reclamar, ninguém discute isso. Seria mais útil gastar energia, direcionar a atenção, perder tempo, pensando não nos problemas em si, nas angústias da vida, mas sim na melhor maneira de solucioná-las, de encarar com responsabilidade as dificuldades. Porém, é algo extremamente idealizado, que se aplica talvez apenas à exceção, a um pequeno grupo de pessoas, extremamente evoluídas emocionalmente, mas não à regra, a maior parte.


É natural que vez ou outra acabemos reclamando de algo. As coisas simplesmente acontecem em nossas vidas, sem nem sabermos previamente quando, e nem sempre da melhor forma ou do modo mais justo e agradável. E, sendo assim, à medida que algo de ruim acontece, grande ou pequeno, trivial ou grave, pode acontecer de nos queixarmos. Falo isso para, primeiro, você que lê aqui comigo, entenda que talvez parar totalmente de reclamar não seja algo tão simples como se lê nos livros de autoajuda, até porque existem razões e questões emocionais enraizadas, muitas vezes inconscientes, por trás do hábito (então se quiser realmente se aprofundar, faça terapia). Enfim, sempre haverá uma ou outra lamentação, e você precisa lidar com isso de forma mais equilibrada, natural, sem carregar um sentimento de culpa por estar reclamando.


O que você precisa observar é, de modo bem simples: na sua vida, reclamar é uma regra ou uma exceção? Se for uma exceção, ok, está dentro do normal, do aceitável, do natural. Agora, quando você passa a se observar, e vê que de forma rotineira, sistemática, todos os dias, como regra, reclama de alguma coisinha, as vezes algo grande, muitas vezes algo pequeno, aí temos a identificação de um problema que precisa ser trabalhado com a sua devida seriedade e atenção.


Quem reclama com frequência, diariamente, via de regra, é, em primeiro lugar, alguém extremamente imaturo, infantilizado, que não possui a capacidade mínima de lidar com a quebra e a não contemplação de suas próprias expectativas. É alguém egocêntrico, muitas vezes até de forma inconsciente, querendo que o mundo e as pessoas olhem para suas necessidades, mas incapaz de olhar para as necessidades do mundo e dos outros. Alguém inflexível, rígido, que vive dentro de algumas regras e diretrizes e não é capaz de sentir ou perceber o momento necessário de flexibilizar, de acordo com cada situação ou circunstância. A soma desses elementos, do ponto de vista psicológico, resulta na famosa pessoa que "só reclama", aquela pessoa vai, pouco a pouco, afastando as pessoas à sua volta.


Colocar o telefone no silencioso, por exemplo, é crime? Muitas pessoas têm isso como hábito, eu inclusive, seja para evitar distrações ou por necessidade, como era o caso de um antigo paciente, aqui chamado M. Em determinadas situações, M. escutava de sua parceira: "liguei um milhão de vezes, tem telefone pra que?". Só que, por trás da reclamação dela, existe um elemento importante, clínica e psicologicamente falando, que talvez ela nem mesmo pudesse estar se dando conta. O problema real nem foi M. não ter atendido o telefone, mas sim não ter atendido naquele exato momento. A não contemplação de sua expectativa, ter que lidar com o sentimento provisório de rejeição, reforçando uma insegurança que já existia e era dela foi o verdadeiro problema.


Pouco importava se M. estava ocupado, trabalhando, se estava no banheiro, se estava enviando um email importante, se estava longe do telefone, a pessoa que reclamou olhou apenas para o seu lado, para o seu próprio umbigo. Dane-se se do outro lado existia uma razão ou um porquê, "eu quero agora papai". Não é exatamente assim que se comporta uma criança?


Mesmo que você não tenha filhos, já deve ter observado ao passear no parque em um domingo ensolarado uma criança pedindo a seus pais um daqueles balões de super-herói. E, se os pais resolvem não dar, está armado o caos. A criança não quer esperar para ganhar mais tarde, para primeiro almoçar, ou para ganhar no final de semana seguinte, que é seu aniversário. Ela quer ganhar ali, naquele momento, e, se não ganhar, conforme sua própria expectativa, ela chora, grita, esperneia, ofende os pais. Adultos, embora em alguns casos se comportem exatamente como a criança do exemplo, na maior parte das vezes "apenas reclamam".


Portanto, até que ponto você não está sendo duro demais com você mesmo(a)? Até que ponto não está criando expectativas, sobre a vida, sobre os outros, criando um modelo de "ideal", e, ao ficar preso(a) a tudo isso, e ver suas expectativas sendo frustradas, não reage reclamando de tudo e de todos, a todo instante? A reclamação é, no fim das contas, uma violência e um atentado contra você mesmo(a). Pode haver público e plateia para suas lamentações, sempre existem aquelas pessoas que se alimentam e se motivam com este tipo de coisa, se identificam. Mas posso afirmar, com conhecimento de causa, que pouco a pouco as pessoas boas irão se afastando, porque ninguém gosta de conviver com alguém que vive reclamando de tudo, desde a sujeira da calçada até o time que torce.


Por isso, comece por baixo. Fique sem reclamar de nada por pelo menos vinte e quatro horas, a partir de já. Assuma esse compromisso. Com certeza a vontade vai vir, mas tente raciocinar, deixar de agir por impulso. O mundo não gira em torno do seu umbigo, minha(meu) filha(o). Não foi você quem inventou o certo e o errado. Do outro lado, existe outra pessoa, ou até um grupo de pessoas, que pensam diferente, e podem agir de uma forma diferente à sua, oposta ao que você espera. Comece a pensar o que realmente está ao seu alcance, o que você de fato controla. Aprenda a estabelecer os seus limites na relação com as pessoas, percebendo que você não as muda, mas muda, sim, apenas a você.


Pare de agir igual uma criança que esperneia e faz um escândalo quando as coisas não exatamente da forma ou no tempo em que ela quer. A vida pede urgentemente para você compreender isso. O mundo não é de quem reclama ou grita mais alto, o mundo é de quem é mais inteligente e maduro, de quem é emocionalmente mais bem preparado.


Pelo menos, transforme a regra em exceção, e pare de reclamar todo santo dia, é o mínimo que você pode fazer!

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