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Não fique tentando mudar o mundo!

A pandemia de Covid-19, deflagrada no Brasil em março de 2020, e ainda 'distante do seu fim', pelo menos de acordo com a opinião de determinados especialistas ouvidos por alguns veículos de comunicação que tem maior abrangência, potencializou e intensificou uma série de comportamentos em massa já existentes desde a época de nossos ancestrais, desde os tempos mais macabros e sombrios da humanidade, mas que, talvez no "antigo normal", se é que podemos falar assim, estivessem de certa forma adormecidos ou sem aparecer com tanta frequência.


Ao analisarmos, por exemplo, a história, o desenvolvimento e a evolução dos movimentos totalitários, como o Nazismo de Hitler ou o Comunismo de Stalin, capítulos trágicos em nossa história, percebemos que estas ditaduras se instalaram a partir de uma elite persuadindo o povo através da dissimulação de um bem comum. Hoje, ainda que exista uma minoria de pessoas, por vezes bastante barulhenta e baderneira, que ignore o que de fato ocorreu, e defenda ideias semelhantes às pregadas aquela época por tais ideologias, glorificando da mesma forma figuras como Che Guevara e Marighella, guerrilheiros criminosos, a grande maioria sabe o quão nocivo ao mundo foram tais doutrinas, e as quer distante de nossa realidade presente e futura.


No passado, porém, a verdade é que muita gente, aqui sim a maioria, defendia tais absurdos. Adolf Hitler, por exemplo, munido de ódio, raiva, ressentimento, frustração pessoal, colocava toda a responsabilidade dos insucessos, tanto seus como os da Alemanha, na conta dos judeus, dos negros, dos portadores de algum tipo de deficiência física e dos homossexuais. Esses eram os inimigos a serem derrotados, os alvos em comum. O mundo, de acordo com suas palavras, seria "um lugar melhor e mais próspero sem esse tipo de pessoa", sendo assim, dever-se-ia exterminá-las. E os alemães, inicialmente, se não em sua totalidade, pelo menos em sua grande maioria, aplaudiam e exaltavam os seus discursos inflamados e fervorosos em praça pública.


Aliás, contando com todo o respaldo da imprensa na época, essas informações e ideologias sendo comunicadas e reforçadas por todos os lados, vinte e quatro horas por dia, realmente as pessoas acreditavam com unhas e dentes nestas filosofias, se tornando incapazes de olhar além, de respeitar às diferenças. Note que antes do genocídio físico, há sempre um genocídio cultural, é isso que a própria história nos mostra.


Ao fixar a ideia em determinada religião, a judaica, no caso, e ficar discriminando-a, condenando-a, julgando-a de forma negativa, as pessoas passam a entender que a sua existência realmente não é necessária à sociedade, acreditando que são "aceitáveis" as razões para o seu extermínio. Falando isso tudo em uma linguagem ainda mais simples, buscando uma analogia, você tem pena de matar uma barata? Eu tenho quase certeza que não. Talvez você tenha nojo ou medo, mas pena talvez não seja o sentimento que melhor descreva o que se passa em seu coração. Você quer mais é se ver livre daquele pequeno inseto capaz de gerar uma grande fobia. E, se alguém escolher determinada classe, passando a ideia de que toda aquela classe, sem exceção, independente do motivo, da razão ou circunstância, "é uma barata", certamente você passará a enxergar as pessoas não mais como pessoas, mas sim como insetos que não merecem mais estar ali. Portanto, mais uma vez, antes do genocídio físico, há sempre o genocídio cultural e filosófico.


E é aí que uma elite, utilizando-se de manobras psicológicas para contaminar a massa, pregando ódio contra determinadas classes e categorias, acreditando estar fazendo isso pelo "bem de todos", faz surgir a intolerância, o desrespeito e o desprezo às singularidades e as diferenças entre indivíduos. Traçando um paralelo, vemos que ao longo da pandemia, muitas pessoas, incluindo aquelas que jamais tiveram o interesse em se aprofundar de forma séria no assunto, embasaram seus argumentos e pontos de vista em "nome da ciência". Mas o questionamento que fica é: sabem mesmo o que é a ciência?


Perceba, mesmo que o assunto central aqui não seja esse, não há verdade absoluta na ciência. A ciência não é um destino final, mas sim um local de passagem, uma vez que estudos são a todo instante revisados, sendo apresentadas novas teorias, surgindo novas hipóteses e sendo comprovados novos resultados. A própria Psicanálise, desde o seu surgimento, já se modificou inúmeras vezes. Na ciência, então, podemos falar em verdade relativa, que é viável para aquele momento, dentro daquele objeto de estudo, mas que, também, por outro lado, podem existir conclusões divergentes sobre um mesmo assunto, igualmente embasadas. Não existe, portanto, um único caminho, sendo responsabilidade final do indivíduo sua própria escolha para a sua vida.


Quando você tem algum desconforto, alguma lesão, e resolve buscar a opinião de três médicos, todos irão concordar entre si, pedindo exatamente os mesmos exames e recomendando o mesmo tipo de tratamento? Ou pode acontecer de um deles sugerir um tratamento mais conservador, fisioterapia, enquanto outro indicar que o caminho é cirúrgico? E, ao discordarem entre si, mesmo que não na frente um do outro, algum deles está agindo em desacordo com a ciência, de modo leigo ou ignorante?


Portanto, Pandemia, Nazismo, Comunismo, Ciência, e você agora deve estar se perguntando o que isso tem a ver com o nosso dia-a-dia, não é mesmo? Bem, a relação é bastante complexa, mas, iniciando pelo ponto mais importante, que embasa todo o restante, que fique aqui bastante claro: você pode até não concordar, isto é uma escolha sua, com atitudes, escolhas e comportamentos que se distanciem de suas preferências e ideologias, mas é obrigado a respeitá-las, e deve aprender a conviver com elas.


Observando e atendendo diariamente diversas pessoas, com enormes diferenças entre si, percebemos que em nossa cultura comportamental quanto mais as pessoas reduzem as coisas ao seu próprio modo de conhecer, menos as compreendem, e, ainda por cima, mais se veem no direito de julgar e explicar o que não entendem. Ou seja, o que deveria ser "quanto mais eu sei, mais eu sou", torna-se, de forma negativa e nociva, "quanto menos eu sou, mais eu acho que sei".


A pandemia despertou em muitos homens e mulheres o seu 'Hitler adormecido', pessoas querendo impor umas às outras sua própria forma de mundo, de pensar aquilo que é certo ou errado, do melhor caminho a ser seguido. Pessoas agindo com o mesmo modus operandi de um miliciano. A milícia não permite que a pessoa escolha onde comprar o botijão de gás, mas, conforme bem mostra o filme Tropa de Elite 2, "você vai comprar no mercado do seu Zé, descendo a ladeira, segunda loja à esquerda". Afinal de contas, "é pelo seu bem, pela sua segurança".


O número de divórcios, por exemplo, e aqui são considerados apenas os relacionamentos devidamente registrados e formalizados em cartório, sem contar aquelas pessoas que 'apenas' namoram ou moram juntas (o que na prática já é um casamento), aumentou 24% no primeiro semestre de 2021 em relação ao primeiro semestre de 2020, sendo que já havia, na ocasião, crescido consideravelmente em relação ao primeiro semestre de 2019. Ou seja, as separações crescem exponencialmente, ano após ano.


Embora, lógico, não se possa simplificar a ponto de apontar uma única causa para tais estatísticas, é claro que, dentre as principais razões, com certeza está a incapacidade em conviver e saber lidar com as diferenças, que, antes talvez aparecessem apenas em questões maiores, mas, com o distanciamento social e os casais mais tempo juntos em casa, no mesmo ambiente, se apresentaram nas questões mais banais e triviais do cotidiano.


Lavar a louça, por mais simples que seja, pode ser um motivo que - somado a outros, claro - 'arrebenta com um relacionamento'. Suponha que ele tem o hábito de descansar após as refeições, deixando para lavar a louça mais tarde. Ela, por sua vez, prefere lavar a louça imediatamente após a refeição, para depois descansar. Quem está certo? Quem está errado? A verdade é que não há alguém certo e alguém errado (se você achar que existe, estará apenas enxergando o mundo da sua própria forma, julgando), existem apenas duas pessoas diferentes, únicas e singulares em sua existência.


Os hábitos foram resultado das experiências de vida de cada um, da forma como foram disciplinados, ensinados e criados. Portanto, o que há, de verdade, é uma diferença, e, nesse caso, é preciso encontrar a melhor maneira de resolvê-la e/ou conviver com ela. Imagine que a atitude dele seja o ponto A, já a dela seja o ponto Z. Entre o A e o Z existem outras 24 letras, ou, se preferir, 24 possíveis caminhos. É claro que, para encontrá-los, é preciso exterminar o 'Hitler adormecido' de cada um, aquela ideia de que "as coisas precisam ser do meu jeito". Como em qualquer relação, não apenas pessoal, mas também social ou profissional, é preciso aprender a ceder, abrir mão, assim como é preciso sentir em que momento é necessário impor limites e se posicionar de forma mais firme.


Por mais que, cada vez mais, ainda bem, se fale abertamente sobre a luta por igualdade, a verdade é que, em essência, as pessoas sempre serão diferentes, tendo suas próprias crenças, ideologias, opiniões, preferências e valores. Nesse sentido específico, sem aqui levantar nenhum tipo de bandeira, jamais se atingirá a igualdade, sempre seremos desiguais. Por isso, mais uma vez reforçando, é preciso ter maturidade e habilidade emocional para saber lidar com as diferenças.


Existe uma frase bastante famosa, que existe em várias versões, mas que fala mais ou menos o seguinte: "se a situação não pode mudar, mude você." Muitas pessoas estão preocupadas em mudar os outros, ficando viciadas em reclamar, criticar e julgar. Estão obcecadas, fixas, fanáticas, de que as coisas devem ser do seu modo, da sua maneira, e, se forem assim, será pelo 'bem de todos'. Só esquecem dois pontos muito importantes: primeiro, não são capazes de mudar os outros. Segundo, se a decisão impacta a vida e a rotina de alguém que não a sua, é seu dever que busque o diálogo - e saiba conversar - com esta pessoa, até porque as consequências não são apenas para si, mas também para os outros.


Imagine que você viva um relacionamento e queira ir para outro apartamento ou até mesmo mudar de cidade. A sua decisão impacta a vida de quem convive com você, logo, você não pode impor, fazer de forma unilateral, mesmo que acredite ser a melhor decisão. É preciso dialogar, expor, debater, pois a decisão que for tomada trará consequências a todas as partes. Você pode escolher aquilo que é melhor para a sua vida, o caminho que vai seguir, mas não pode impor aos outros que sigam exatamente o mesmo percurso, esse é o ponto.


Não somos capazes de mudar os outros. Quando muito, quando nos tornamos insistentes, repetitivos, apenas os prejudicamos, pioramos, ou, em alguns casos, perdemos a sua companhia e a sua admiração pela nossa própria 'chatice'. Devemos, por outro lado, mudar a nós mesmos, aprender a aceitar as diferenças, sabendo, também, sentir quando se faz necessário algum tipo de limite ou posicionamento, o que, fique claro, não é uma imposição, mas apenas uma definição daquilo que queremos e aceitamos em nossas vidas, sendo responsáveis por si, e não pelos outros.


Para mudar a nós mesmos, é preciso humildade de olhar para dentro, reconhecer aquilo que existe e foge à nossa consciência e à nossa compreensão, buscar ressignificar a própria história, de modo a se autoconhecer, se conscientizar e adquirir maior responsabilidade.


Cuide para não confundir submissão com empatia. Se não há a possibilidade de pensar ou agir diferente, em desacordo com as suas expectativas, e você justificar isso com coisas como "mas é o melhor", "é questão de bom senso", "é pelo bem de todos", "eu me preocupo com você", lembre-se que a linha de raciocínio nos movimentos totalitários era exatamente a mesma, e o resultado foi bastante trágico e avassalador para a sociedade no mundo todo.


Empatia, em teoria, é a capacidade de se colocar no lugar do outro, mas, na prática, não deveria ser apenas quando o outro tiver as mesmas crenças e opiniões que você, mas também quando o outro tiver posicionamentos completamente contrários aos que você aprova. E, se a segunda situação for real em sua vida, é você quem precisa aprender a lidar e encarar tudo isto.


Não fique tentando mudar o mundo, isso fará você se tornar uma pessoa ansiosa, ressentida, rancorosa, angustiada, que vive relacionamentos tensos, tóxicos e conturbados. Cuide do seu jardim, coloque a sua casa e as suas emoções em ordem. Mude você!


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