Como ser uma pessoa grata?
- Ricardo Lobo

- 28 de set. de 2021
- 5 min de leitura
É normal lermos, ouvirmos e escutarmos que precisamos direcionar o nosso foco para aquilo que realmente temos controle. É um discurso presente nas abordagens não apenas de psicanalistas, mas também de coachs, mentores, professores, todos que de alguma forma trabalham com os campos de saúde mental e desenvolvimento pessoal.
Inclusive, o falecido autor Stephen Covey, autor do famoso livro popular, campeão de vendas, Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, certa vez criou um princípio chamado Princípio 90x10, o qual consistia em demonstrar que controlávamos apenas 10% das situações de nossa vida, sendo 90% circunstâncias e fatos que não temos como alterar ou controlar a curto prazo, de forma imediata.
Se pararmos para pensar, de forma bastante prática, faz sentido. Basta analisarmos o próprio momento de pandemia que estamos vivendo. Ao sair na rua, não temos como controlar que as pessoas utilizem as máscaras de proteção da forma correta. Podemos fazer a nossa parte, se assim quisermos, mas não há a garantia que haverá uma total correspondência dos demais. Com certeza, e isso é um fato, não uma suposição, encontraremos pessoas com a máscara no queixo, com a máscara na mão, com a máscara no bolso, ou até que tenham deixado a máscara em casa.
Independente da sua ou da minha opinião, de achar isso certo ou errado, a conversa aqui não é essa. Não comece a tentar criar argumentos do tipo "mas é uma lei", "é uma questão de bom senso", "é pela saúde". Usar cinto de segurança ao dirigir também é uma lei, também é uma questão de bom senso, e também é pela saúde, mas nem todos os motoristas cumprem.
O fato que vale de forma universal, em qualquer contexto e exemplo, é que não temos como controlar a atitude e o comportamento dos demais, apenas o nosso. Isso vale tanto em termos sociais como para os nossos relacionamentos mais íntimos. Não temos como controlar o que fará ou dirá nosso cônjuge, nossos pais, nossos filhos e etc. Por mais que existam "leis familiares" ou "combinados matrimoniais", estão sujeitos ao descumprimento. Ponto.
Também não temos como controlar o clima, se fará sol ou se irá chover, não temos como controlar o trânsito, se tudo correrá perfeitamente ou cruzaremos com alguém dirigindo alcoolizado. Não temos controlar se o médico marcou conosco as 16h e está atrasado, sendo que já são 17h. Tudo são exemplos de situações incontroláveis, no sentido que a mudança não está ao nosso alcance imediato!
Por isso, entender que não controlamos quase nada da vida é um passo de primordial entendimento para que levemos uma vida com menos stress e menos ansiedade. O texto poderia apenas falar sobre isso, e já estaria sendo de grande contribuição, pois são muitas as pessoas que vivem uma vida de enormes exigências, com altas expectativas, uma enorme cobrança, consigo e principalmente com os demais, direcionando a energia para situações e circunstâncias que não dependem apenas da sua ação e da sua vontade. Isso é gatilho para a ansiedade, e, até mais do que isso, é como fazer um pedido de casamento para a angústia e o sofrimento, resultando em uma vida carregada de raiva e frustração - que, em algum momento, diga-se de passagem, terão que ser colocadas de volta no mundo (e isso é muito perigoso).
No entanto, entender que controlamos pouco ou quase nada da vida não significa que de agora em diante devemos ser então passivos, justificando qualquer tomada de decisão - ou não decisão - com o discurso "eu não tenho como controlar isso". Da mesma forma que ouvimos com frequência que precisamos direcionar o nosso foco para aquilo que realmente temos controle, também escutamos com bastante regularidade que devemos ser gratos. "Seja grato!", uma das frases mais lidas nas redes sociais nos últimos tempos.
Gratidão, no entanto, não é ingenuidade. Confundir gratidão e ingenuidade é burrice. Não temos como controlar quando alguém nos ofende ou trata com falta de respeito, ok, isso é tranquilo, acredito que você já tenha entendido. Mas você vai justificar a sua omissão, deixando de fazer aquilo que você sabe, por mais que não admita, que precisa fazer, dizendo que precisa ser grato e é algo que você não controla?
Então quer dizer que por você não ter o controle de muita coisa na vida e por ter que ser grato, conforme as "instruções modernas", as pessoas podem tratá-lo (a) com falta de respeito, de forma agressiva, e tudo bem, "faz parte da vida"? Não é assim que funciona!
É seu dever estabelecer um limite, colocar de forma clara um sinal de "chega, dessa linha não permitirei mais que você ultrapasse comigo", e, em último caso, manter distância, cortar relações (vale tanto a nível pessoal como profissional), já que, mesmo que você consiga se posicionar, não há uma garantia total e absoluta do cumprimento dos termos pela outra parte.
Acontecem diariamente situações, que não controlamos, que trazem com elas os motivos e razões suficientes para que nos tornemos ressentidos, amargurados, que desejemos destilar a vingança contra o mundo - ou até contra nós mesmos. Uma pessoa que confiávamos nos traiu, nos humilhou ou tratou de forma grosseira. Um chefe nos tratou com enorme falta de respeito e arrogância. Uma pessoa no trânsito estava dirigindo enquanto digitava e destruiu a traseira de nosso carro. Existem ou não inúmeros casos e situações, todo o santo dia?
Geralmente, do ponto de vista psicológico e comportamental, estamos entre os extremos, ou seja, ou somos aquelas pessoas que se tornam omissas e submissas, amparadas no discurso do "não tenho controle, sou grato!", agindo, conforme se fala na clínica, pelo mecanismo de defesa da formação reativa, que é quando agimos de forma incompatível com os nossos sentimentos (dócil por fora mas violento por dentro), ou somos aquelas pessoas que agem pelo mecanismo de defesa do deslocamento, que é quando deslocamos nossas insatisfações, ou seja, popularmente falando, descontamos em quem não tem relação alguma com a história.
Na primeira situação acima, estamos reprimindo raiva. Na segunda situação, estamos reprimindo culpa (ninguém se sente bem em descontar em uma pessoa próxima, o arrependimento - ou culpa - mais tarde é grande). Em ambos os casos, isso é extremamente perigoso e nocivo. Freud disse certa vez "As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem das piores formas mais tarde".
De uma forma ou de outra, aquilo que for reprimido se voltará contra o mundo, ou até contra você mesmo (a). Você não o controle sobre tudo, mas tem o controle sobre você. Portanto, enfrente aquilo que está diante de você, ao invés de se esconder de uma verdade tão terrível que a única coisa pior é a falsidade com a qual você quer substituí-la. E mesmo com todos os motivos do mundo para reclamar, lamentar, buscar culpados, seja grato (a) pois você tem a oportunidade de escolher o caminho do bem, mesmo que seja o mais difícil.





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