A pior das traições!
- Ricardo Lobo

- 6 de set. de 2021
- 3 min de leitura
Todos nós temos momentos e lembranças de nossas vidas dos quais não sentimos prazer ao recordar. Podem ter sido acontecimentos ocorridos recentemente ou em um passado mais distante, quem sabe em nossa infância. Podem ter sido fatos dos quais nos consideramos culpados e por isso ficamos envergonhados, ou então vítimas, sentindo-nos ressentidos e com mágoa/raiva, não importa. A verdade é que com certeza já vivemos inúmeras situações e momentos que fazemos de tudo para "apagar" de nossas mentes, para esquecer, e não nos sentimos nada bem ao, de certa forma, relembrar e reviver.
Porém, essa tentativa de ignorar e jogar para baixo do tapete aquilo que consideramos negativo em nossa própria experiência de vida, por mais que seja com boas intenções, para evitar a dor, é, no fim das contas, infrutífera, gerando apenas um efeito reverso ao desejado, ou seja, um aumento no nível de sofrimento, além de um acúmulo de mágoa, culpa, raiva, angústia e ressentimento, que, a curto, médio e longo prazo causa severos transtornos psíquicos e emocionais.
Devemos, em primeiro lugar (e por mais simples que pareça, é uma tarefa extremamente complicada), aprender a respeitar e ser fiel aos nossos sentimentos mais íntimos e profundos. A vida é uma dádiva, um verdadeiro presente de Deus, mas isso não a torna isenta de dificuldades e problemas. Pelo contrário, o sofrimento é inerente à vida. Por isso, ao longo de nossa trajetória, acontecerão situações que causarão dor. A perda repentina ou cedo demais de um ente querido, o fim de um relacionamento, um episódio traumático de nossa infância/adolescência envolvendo os pais, uma demissão, o fim de um relacionamento, um momento que agimos por impulso, enfim, sempre existirão momentos que, ao relembrarmos, não nos encherão de alegria, boas recordações, satisfação e orgulho.
Vamos pensar juntos em um casal que termina um relacionamento. Ao terminar, muitas pessoas, de ambos os lados, tanto homens quanto mulheres, tentam a todo custo superar o término, buscando racionalizar tudo o que está sendo observado e vivido. Mulheres escutam de suas amigas "amiga, ele não te merecia, você está ganhando ao terminar isso." Homens, por outro lado, escutam de seus amigos "vamos sair, não falta mulher legal e disposta a te conhecer no mundo." Pronto, é através de discursos assim, discursos extremamente racionais e zero emocionais, que abre-se caminho para que sejam ignorados os próprios sentimentos.
Pois acaba-se, nesse contexto, tentando forçar uma felicidade onde não há. Tentar forçar uma felicidade quando o sentimento real é de tristeza é, no fim das contas, potencializar a tristeza, que aparecerá sem pedir licença, de forma vertiginosa e cruel.
Mais do que aprender a respeitar os próprios sentimentos, é preciso olhar para o passado, olhar para a própria experiência, para aquilo que não foi positivo, e ter maturidade para confrontar e buscar entender, enxergando a sua complexidade. É dessa forma e exatamente com esse tipo de atitude, que, voltando ao exemplo do casal, ambos conseguem olhar para si, ter humildade, buscar assimilar o que de fato ocorreu, assumindo responsabilidades para que seja possível de modificar atitudes e comportamentos, e, assim, não sofrerem os mesmos dilemas em novas relações.
É claro que esse não é o caminho mais fácil, uma vez que, ao assumir responsabilidades, precisamos muitas vezes ter que se confrontar com nós mesmos, admitindo, e aceitando, nossas falhas, vulnerabilidades e imperfeições. Vemos, dessa forma, também, a necessidade de modificar padrões que muitas vezes foram criados ao longo de uma vida inteira, mas que, ao assumirmos responsabilidades, observamos que talvez sejam eles a causa maior de nossas angústias e sofrimentos.
Sendo assim, nosso dever maior é o de aprender com a vida, e não fugir dela, tentando "apagar" certas lembranças. Se não transformarmos o negativo em aprendizado, em compreensão, sofreremos as consequências, as vezes das mais terríveis possíveis. A pior das traições é a traição da própria consciência. Por mais que hajam motivos racionais, socialmente aceitáveis, a pior das traições é deitar a cabeça no travesseiro sabendo que não se está fazendo o que deveria ser feito, e, por consequência disso, sentir-se ainda pior.
Temos em nossas vidas exatamente tudo aquilo que merecemos e estamos preparados para ter, tanto em um cenário positivo como em um cenário negativo. Por isso, escreva em detalhes todas as velhas lembranças que ainda o perturbam, e aprenda com elas, não tente ignorá-las. Assuma responsabilidades, mude comportamentos (ou o sofrimento será seu parceiro pelo resto da vida). É assim que você se desenvolve e amadurece. Você pode fugir de tudo, menos de você mesmo(a)!





Comentários